O dia seguinte.
“O momento pede este aprofundamento, acompanhado do questionamento de dogmas e paradigmas. E de uma reflexão prática: o que leva líderes empresariais a apoiarem políticos, atos e políticas que ultrajam o senso civilizatório?”
Por Marta Porto | Publicado em 17/01/2023
Revista Exame | Coluna de Cultura e Sociedade.
As ações criminosas contra os poderes da República marcam um novo momento de defesa do Estado de Direito e da democracia brasileira.
As cenas de depredação do patrimônio público e de danos irreparáveis a obras artísticas e documentos históricos ganharam o mundo. Paralelamente, imagens mostraram a inação e mesmo a cumplicidade das forças de segurança da capital federal diante do assalto planejado aos poderes constitucionais do país. Por isso, as respostas no âmbito legal e político são fundamentais para restaurar a ordem e a confiança dos cidadãos em suas instituições. Porém, precisamos ir além se quisermos que cenas como estas não se repitam.
Fica um alerta à sociedade brasileira como um todo, especialmente às lideranças nos mais diversos setores. A necessária normalização institucional do país passa em primeiro lugar pela consciência do mal que os últimos anos legaram ao Brasil. Passa por compreender os riscos de apoiar posturas políticas extremistas e da ideologização do aparato de segurança e das forças militares.
Agenda para além da punição
Quero destacar dois pontos para uma agenda que avance além das necessárias ações punitivas: a pactuação de políticas públicas nas áreas de educação, comunicação e cultura que elaborem estratégias de longo prazo para a formação de uma cultura democrática ancorada em valores civilizatórios; e, no mundo corporativo, uma revisão dos programas de MBAs e outras ações de formação para lideranças empresariais.
Neste último caso, a tarefa é incluir nestes programas e currículos matérias como as de filosofia, ética e educação constitucional. Incluir visões e pontos de vistas diversos, quando se trata de abordar temas econômicos, sociais e políticos. A história das constituições, como bem mostrou a série Brasil em Constituição, do Jornal Nacional, é uma aula de como as sociedades, incluindo o Brasil, conquistaram a duras penas valores democráticos. Apostar no conhecimento e no pensamento crítico são essenciais, se quisermos uma sociedade orientada para o seu melhor.
Essa formação também implica na capacidade de analisar cenários complexos e dar respostas não simplistas para problemas estruturais, que corroem a confiança nas instituições e tornam o país suscetível a atos de conspiração, como os que assistimos neste fatídico 8 de janeiro. O que uma formação cultural sólida — ancorada em valores democráticos e republicanos — nos oferece é uma régua ética, que mede os eventos e sinais políticos e sociais e não nos autoriza a cair em inação, omissão ou pior: em cumplicidade, logo quando o peso das lideranças mais conta para o barco não afundar.
Um caminho para as lideranças
A agenda ESG é uma oportunidade para um olhar mais aprofundado sobre a realidade nacional. Sobre seus desafios econômicos, ambientais, sociais, políticos e éticos. Contudo, é preciso abandonar fórmulas fáceis para entender que, em um ambiente de caos, não venceremos o desafio de aumentar a produtividade, nem de promover prosperidade compartilhada e criar as bases para inserir o Brasil como uma potência ecológica e inclusiva.
Em tempos de profundas mudanças, choques contra sistemas consolidados e crises combinadas, internalizar um balizador ético é crucial para a tomada de decisões. Em qualquer instância que elas se façam necessárias.
O momento pede este aprofundamento. Acompanhado do questionamento de dogmas e paradigmas e de uma reflexão prática: o que leva líderes empresariais a apoiarem políticos, atos e políticas que ultrajam o senso civilizatório? Que desestabilizam as instituições do país e minam as regras jurídicas inscritas pelo sistema legal brasileiro? Uma mesa mais plural, com profissionais dos mais diversos campos, origens e pontos de vista é o primeiro passo, mas não é suficiente para fazer frente aos desafios colocados.
Se a democracia se mantiver como um projeto de ativistas e poucas cabeças iluminadas, e isolado do seu estatuto maior que é a conquista de cidadania para toda a população brasileira — cidadania esta inscrita nos termos constitucionais de dignidade da vida humana e da coesão social e democrática — o Brasil continuará como um projeto inconcluso e sob permanente retrocesso.
*Marta Porto é jornalista, crítica da cultura e fundadora da Marta Porto Consultoria.